segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Cancún dá três passos, mas fica longe de salvar o planeta

Daniela Chiaretti

Apesar da euforia provocada por ter conseguido dar três passos no enfrentamento ao aquecimento global, a conferência do clima de Cancún terminou sem resolver nenhum dos grandes impasses da questão. Criou-se um fundo climático que não tem dinheiro, as promessas de cortes maiores de emissão continuam promessas e o futuro do Protocolo de Kyoto depois de 2012 não foi resolvido - só se concordou em continuar discutindo. A comunidade internacional ainda não conseguiu formular uma resposta convincente ao desafio do aquecimento global.

Cancún não salvou o planeta. Cancún salvou o processo de negociação do acordo climático internacional, que quase foi a pique em Copenhague, em 2009. Nove entre dez diplomatas que falaram na madrugada do sábado, no encerramento da conferência mexicana, diziam que era preciso restaurar a confiança no processo multilateral. A voz destoante veio do embaixador Pablo Solón. O boliviano pode ter soado radical, mas colocou o dedo na ferida: Estamos criando um fundo verde e um comitê para trocar tecnologia, mas onde estão os recursos para financiar isso?, e seguiu apontando as fragilidades do que se estava por aprovar, criando constrangimentos. Foi o embaixador coreano quem definiu em plenário o que realmente estava em jogo: Vamos parar com a inércia do multilateralismo.

Na prática, as decisões de Cancún sobre finanças foram convidar (o termo usado é este mesmo, convidar) os países industrializados a informarem ao secretariado da convenção do clima das Nações Unidas em maio de 2011, 2012 e 2013 sobre os recursos financeiros do chamado fast track money - US$ 30 bilhões prometidos em Copenhague para ajudarem os que mais sofrem os impactos do aquecimento global, como Bangladesh ou as pequenas ilhas. Isto é novo porque dá alguma transparência a este fluxo de recursos que não sabemos se é dinheiro novo ou já prometido na cooperação internacional diz Antonio Hill, especialista em clima da Oxfam.

Outra decisão foi criar o Fundo Climático Verde. O que se fez foi estabelecer a composição do conselho (24 membros com participação igual entre países desenvolvidos e em desenvolvimento e representação das pequenas ilhas e economias vulneráveis) e definir que será administrado pelo Banco Mundial. O dinheiro são aqueles US$ 100 bilhões ao ano, a partir de 2020, prometidos em Copenhague. Mas o fundamental - quem dá quanto, de onde vêm os recursos, com qual periodicidade e a partir de quando estarão disponíveis - sequer foi mencionado.

O acordo criou um Mecanismo de Tecnologia que terá um Comitê Executivo e um Centro e Rede de Tecnologia Climática, o que é positivo. Listaram-se escopos e funções, o estímulo à colaboração com o setor privado e academia, o desenvolvimento e transferência de tecnologias limpas, as oportunidades para cooperação Norte-Sul, Sul-Sul e assim por diante. Mas a operacionalização desta arquitetura ficou para 2012.

O planeta, na verdade, está longe de ser salvo. Cancún não conseguiu novas e mais ambiciosas metas de cortes nas emissões dos gases-estufa - e também não era isso que se esperava da conferência. Depois da alta expectativa em Copenhague e do fraco e polêmico resultado, a estratégia mexicana era conseguir um pacote de decisões em tecnologia, adaptação, na arquitetura financeira e no mecanismo de Redd, que define a Redução nas Emissões de Desmatamento e Degradação. Isto foi obtido e levou o nome de Acordo de Cancún. Mas se há detalhamento, a linguagem diplomática é fraca e ambígua. Lê-se muitas vezes que as nações concordaram em facilitar, estimular, identificar, recomendar. Decidir, colocar dinheiro, agir, são termos que pouco ou nunca aparecem.

Por pouco Cancún não reverteu a posição que o Japão tornou pública nos primeiros dias da CoP-16, de não concordar com o a continuidade do Protocolo de Kyoto depois de 2012, já que os maiores emissores mundiais, a China e os Estados Unidos, não estão no barco. Cancún não conseguiu assegurar a continuidade do Protocolo, só logrou consenso para que se continue discutindo o assunto. Kyoto continua agonizante, mas ganhou sobrevida.

O texto garante que não haverá intervalo entre o primeiro período do Protocolo (que, por ora, termina em 2012) e o segundo período de compromissos. O documento avança em uma tecnicalidade - estabelece que o segundo período de compromissos de Kyoto tomará 1990 como ano-base (e não 2000, como queria a Austrália ou 2005, como pretendia o Canadá) e acalma a ansiedade dos mercados de carbono. Mas se Kyoto continua mesmo, em que bases, que países farão parte da lista e com quais metas, são pontos cruciais e continuam todos em aberto. Cancún pode ter salvo o processo mas ainda não salvou o clima disse Wendel Trio, diretor de política do clima do Greenpeace Internacional. É mais um atraso de um ano em decisões-chave, completa seu colega alemão Martin Kaiser.

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