César Felício
A desmobilização política no campo foi um dos principais saldos do governo Luiz Inácio Lula da Silva na agricultura familiar. Em seus oito anos de gestão, houve uma diminuição considerável da tensão: de acordo com dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), entre 2003 e 2009 o número de conflitos caiu 20%, o de ocupações 26% e o de assassinatos de 71 para 24 em um ano. Ao assumir, Lula encontrou 285 acampamentos registrados pela CPT. No ano passado havia apenas 36.
O governo federal diminuiu a temperatura do campo sem acelerar a reforma agrária. Segundo o balanço divulgado pelo governo federal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assentou 586 mil novas famílias entre janeiro de 2003 e outubro de 2010. É praticamente o mesmo número divulgado por Fernando Henrique Cardoso em 2002. Ao fazer o balanço de seu governo, o tucano disse ter assentado 584.655 famílias, embora com a maioria sem o título da posse definitivo.
"Lula foi muito hábil em cooptar os movimentos sociais com o oferecimento de cargos e o estabelecimento de convênios de transferências de recursos. Os militantes sociais, todos eleitores dele, tiveram óbvia dificuldade para pressioná-lo", comenta o deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE), que foi ministro do Desenvolvimento Agrário no governo de Fernando Henrique entre 1996 e 2002.
A Pasta foi criada no governo anterior após o massacre de Eldorado dos Carajás (PA), em abril de 1996, quando 19 trabalhadores sem terra morreram. Meses antes, outro massacre, em Corumbiara (RO), matara outros 11 agricultores.
No governo Lula, houve dois casos emblemáticos de violência no campo, com desfechos diferentes. Em 2004, quatro fiscais do Ministério do Trabalho foram assassinados na região de Unaí , no noroeste de Minas Gerais. Nenhum dos acusados, entre eles o maior produtor de feijão do país e prefeito de Unaí, Anterio Manica (PSDB), foi julgado até hoje. Em 2005, foi assassinada em Anapu, no sul do Pará, a freira americana Dorothy Stang. Os responsáveis pelo crime, os fazendeiros conhecidos como "Bida" e "Taradão", tornaram-se entre abril e maio deste ano os primeiros mandantes de assassinato no campo a serem condenados em toda a história da Justiça do Pará.
Um dos coordenadores da CPT, o padre Dirceu Fumagalli confirma a desmobilização. "Lula paulatinamente foi enfraquecendo os movimentos sociais. Houve um refluxo, por cooptação", afirma. Fumagalli relatou que as entidades tiveram que cancelar a última reunião de coordenação do Fórum Nacional de Reforma Agrária, no mês passado, por falta de quórum. "Esta situação está se agravando mês a mês, mas esta foi a primeira vez", diz.
A grande linha divisória entre o governo de Lula e o de FHC na área foi o financiamento à agricultura familiar. Os valores disponibilizados no Pronaf passaram de R$ 2,4 bilhões no primeiro ano do governo para R$ 10,8 bilhões no ano passado e o número de contratos firmados saltou de 904 mil para 1,443 milhão. Criador do programa em 1996, o governo de Fernando Henrique aplicou em sete anos R$ 11,8 bilhões, um pouco acima do que o feito por Lula apenas em 2009.
Os ministros Miguel Rossetto e Guilherme Cassel, ambos da tendência Democracia Socialista do PT gaúcho, não tiveram forças para fazer prevalecer dentro do governo federal a revisão dos índices de produtividade , o que poderia aumentar o escopo da reforma agrária. A questão permanece em aberto até hoje e o atual ministro da Agricultura, Wagner Rossi, confirmado para permanecer na Pasta, já sinalizou que irá combater qualquer tentativa de revisão do índice.
"Conseguimos avançar politicamente apenas nos embates que também favoreciam o agronegócio. Foi o caso da votação da MP 458, em 2009, que regularizou a posse de terras na Amazônia", comenta Fumagalli. Segundo o padre, a medida garantiu a regularização para quem possuía até quatro módulos fiscais (400 hectares), caso de 80% dos proprietários. Mas beneficiou também os proprietários entre 4 e 15 módulos fiscais, o que já abrangia os médios e grandes proprietários.
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