sexta-feira, 25 de setembro de 2009

OESP - Belo Monte - ainda falta muito a ver

Por Washington Novaes

Certamente ainda haverá tempestades no caminho do licenciamento e da implantação da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, que o ministro do Meio Ambiente anunciou que "provavelmente" receberá licença provisória do Ibama em novembro e, pelos cálculos oficiais, deverá estar concluída até 2014, ao custo estimado de R$ 16 bilhões (Estado, 23/9). Será a terceira maior hidrelétrica no mundo, com obras de escavação de terras (150 milhões de m3) e de rochas (60 milhões de m3) em volume superior ao do Canal do Panamá. Sua potência nominal será de 11,2 mil MW nos períodos de vazão mais favorável e de menos de 1 mil MW nos mais desfavoráveis. Com isso, a chamada "energia firme" será de 4 mil MW. Na média, seriam 4,5 mil MW.

O Ministério Público Federal, apoiado pela OAB e outras instituições, já anunciou o ajuizamento de pedido para anulação das audiências públicas realizadas, com o argumento de que a manifestação da sociedade quanto aos impactos sobre 80 mil pessoas em 66 municípios foi dificultada - além da falta de previsão para compensação de dezenas de milhares de famílias atingidas, a "superestimação da energia e dos empregos gerados na obra" e a não-avaliação das consequências na floresta da provável secagem da água num dos canais. A Fundação Nacional do Índio (Funai) - dizem os jornais - pedirá a revisão dos estudos e pronunciamento do Congresso, por entender que não foram suficientemente avaliados os impactos em nove terras indígenas.

O coordenador de um painel de 38 especialistas que analisaram o estudo de impacto ambiental, professor Francisco Hernandes, da USP, diz que o documento também subestima as consequências da migração de quase 100 mil pessoas para a área, atraídas pelas obras. A seu ver, o custo da obra deveria incluir o das infraestruturas urbanas necessárias para atender a esse contingente - mas não inclui; e isso deveria ser computado no custo do kW/hora a ser produzido (Folha de S.Paulo, 20/9). Da mesma forma, não se avalia o que significará que quase 18 mil das 18.700 pessoas a serem contratadas para a obra serão dispensadas no final. Nem se considera que com o seccionamento de igarapés será fortemente afetada a pesca, da qual dependem 72,9% dos moradores de Volta Grande.

Não é um problema diferente do que já surgiu em outros projetos de hidrelétricas na Amazônia, desde a de Tucuruí, na década de 80. Sobre essa, lembra o professor Maurílio de Abreu Monteiro, da Universidade Federal do Pará, no número 53 da revista Estudos Avançados, da USP, que o orçamento de US$ 2,1 bilhões chegou ao final a US$ 7,5 bilhões, sem incluir o custo das linhas de transmissão, rede viária, sistema portuário, etc. E como a energia para os grandes usuários (produtoras e exportadoras de alumínio e ferro gusa) foi subsidiada (em mais de 50%), o primeiro contrato gerou para a Eletronorte prejuízos (há quem diga que foram US$ 4 bilhões, repassados para as contas de energia de todos os usuários no País; no segundo contrato o subsídio foi ligeiramente reduzido). E ainda sem falar no consumo de 5 milhões de toneladas de carvão vegetal para produzir até 2004 quase 5 milhões de toneladas de ferro-gusa.

E ainda não é essa a parte mais contundente de estudos sobre Belo Monte. O Boletim Regional, Urbano e Ambiental, do Ipea (julho de 2009), que pertence à Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, traz análise que considera extremamente problemáticos projetos como esse, examinados sob o ângulo da sustentabilidade da produção de alumínio primário na Amazônia. É uma análise do coordenador de Meio Ambiente e do Fórum do Ipea de Mudanças Climáticas, José Aroudo Mota, e da pesquisadora Dumara Regina Mota, do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB. Para eles, a produção do alumínio, "atividade intensiva em recursos naturais e de grande impacto ambiental", além de "intensiva em capital e tecnologia", associada ao comércio internacional, "ainda não se demonstrou capaz de contribuir para a redução das desigualdades sociais e regionais, que colocam os índices de desenvolvimento humano da região abaixo dos índices nacionais". Mais ainda: essa atividade precisa "internalizar" os impactos sociais e ambientais de sua exploração.

Será difícil para os governos federal e estadual ignorar esse diagnóstico, no qual está dito que a indústria dos eletrointensivos, "controlada por um pequeno número de grandes corporações", desde a transformação do minério até os produtos finais, forma também um "cartel de exportação" que "controla igualmente os preços e mercados". E isso está presente no aproveitamento da terceira maior reserva mundial de bauxita, na Amazônia. Mas a implantação do polo exportador "envolve o reassentamento de comunidades inteiras, o inchaço de cidades, o desflorestamento e a perda da diversidade biológica e cultural, além de mudanças no regime hidrológico e a geração de resíduos contaminantes do solo, da água e do ar". Mais: gera conflitos com a população, como no entorno de Tucuruí, que "sofre ainda com problemas de abastecimento de energia".

Sob esse ângulo, destaca o estudo a incapacidade dos municípios de responder à nova demanda por saúde, educação e infraestruturas urbanas - até porque os projetos que utilizam a energia são beneficiados pelas isenções de impostos. Como destaca que não se leva em consideração que "o alumínio responde pela emissão de perfluorcarbono, e que tem um potencial de 6.500 a 9.000 vezes maior que o do dióxido de carbono". E Belo Monte, conclui o estudo, significa o aumento da oferta de energia para aquele setor, que induz "padrões intensivos de exploração de recursos e serviços naturais, bem como contribui para o acirramento das desigualdades sociais em escala local.

Parece claro que não há como ignorar tantas questões. É preciso colocá-las na balança antes de licenciar a obra.

Washington Novaes é jornalista

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