sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Amazonia.org.br - Pecuária verde é possível

Ambientalistas, representantes de organizações e produtores rurais buscam tirar da pecuária o papel de vilã do meio ambiente brasileiro e mostram quais os mecanismos para isso.

Por Thais Iervolino

Pecuária sustentável. Um termo que muitos poderiam ver como um paradoxo - já que a atividade é uma das grandes responsáveis pela devastação da Amazônia - pode ser real. É o que ambientalistas, o setor financeiro e da pecuária, além de grandes empresas atreladas ao tema vêm buscando.

Atualmente, a atividade tem uma forte relação com o desmatamento da floresta Amazônica. Em 1990, quando o rebanho bovino no Brasil era de cerca de 20 milhões cabeças de gado, o índice de devastação da Amazônia foi de 400 mil hectares. Já em 2006, quando houve um aumento para mais de 70 milhões de bois no país, o desmatamento chegou a 700 mil hectares.

"Como o desflorestamento é a principal causa das emissões de gases do efeito estufa, a responsabilidade da pecuária é grande. 44% das emissões no Brasil são causadas por ela, enquanto que a atividade contribui pouco para a economia brasileira [2% do PIB]. É preciso reavaliar o setor", alertou Paulo Barreto, pesquisador do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), durante o Workshop Internacional sobre Soluções para o Desmatamento e Emissões de Gases de Efeito Estufa Causadas pela Expansão da Pecuária, que aconteceu em São Paulo nos dias 26 e 27 de agosto.
Segundo ele, para que o país cumpra as metas no Plano Nacional de Mudanças Climáticas - reduzir em 70% o desmatamento - é preciso tornar a atividade mais intensiva. Ao contrário disso, o que tem existido no Brasil é a forte - e quase total - presença da pecuária extensiva. Segundo Barreto, isso aconteceu "principalmente porque a terra é de graça ou muito barata. Por outro lado, a pecuária semi-intensiva e intensiva que requer investimentos (adubação do pasto, melhoria genética do gado, etc) é menos rentável, já que esses insumos custam mais do que a terra gratuita ou muito barata".

Desta forma, segundo o especialista, "a doação de terras vai consolidar o modelo de uso extensivo (mais desmatamento) em vez de incentivar o investimento para aumentar a produção por meio do aumento de produtividade das áreas já desmatadas".

Além do subsídio da terra, o controle ambiental fraco, o financiamento e um mercado tolerante promovem o tipo de pecuária predominante no país até hoje. De acordo com o ambientalista, US$ 3,5 bilhões foram destinados ao financiamento da atividade. Para mudar o quadro, é preciso que haja regularização fundiária e ambiental efetivas, além da rastreabilidade.

Boi verde e mais lucrativo

Roberto Smeraldi, diretor da organização Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, também concorda que a única saída para haver sustentabilidade na atividade é a intensificação de sua produção. O diretor, que promoveu o Workshop, visitou três fazendas de pecuária intensiva e viu que é possível que haja sustentabilidade ao mesmo tempo em que não se perde rentabilidade e lucro. "Na visita, tivemos a oportunidade de nos aproximar de fazendas cujos elementos destoam dos padrões regionais. O índice de produtividade é três vezes maior do que o de uma fazenda normal. São fazendas que tiveram, em 2008, um lucro de 40% a 47%", disse.

Questões socioambientais também são melhores nessas propriedades. "Enquanto a pecuária tradicional gera 1 emprego por 400 hectares (ha), nas fazendas mais sustentáveis essa proporção é de 1 para cada 80 ha, e com todos os trabalhadores registrados na CLT. Outra diferença é que na fazenda sustentável o animal chega para o abate com metade da idade, emitindo a metade de metano por quilograma de carne consumido", contou.

Segundo o chefe geral da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) do Acre Judson Valentim, enquanto cerca de 30 bois são vendidos por hectare no sistema tradicional, na pecuária intensiva são 87 cabeças de gado vendidas. Para ele, o discurso de que a questão financeira impediria a mudança do paradigma para uma pecuária menos devastadora não é real. "Na realidade, quando se aumenta a produtividade, o custo pela tecnologia - em proporção ao número de gado criado - é menor".

Quem paga a conta

"Sempre há o discurso de que o governo tem que criar mecanismos para que o setor financeiro deixe de financiar atividades que não agridam o meio ambiente. Ao mesmo tempo fala-se sobre a necessidade de se ter financiamento para que essas ações aconteçam. É preciso sair desse círculo vicioso", diz Smeraldi.

Para o diretor, a pecuária intensiva está totalmente atrelada à preservação do bioma Amazônia. "A intensificação não é suficiente, mas necessária para recuperação [de áreas degradadas]". De acordo com Smeraldi, o desafio para ações sustentáveis no setor, além da reorientação do financiamento e de se criar instrumentos novos, é a implementação dos mecanismos que já existem.

Caminho


Para que a pecuária no Brasil siga esses exemplos, os participantes do evento - entre eles pecuaristas, representantes de instituições financeiras e organizações sociais - apontaram alguns desafios e ações. Veja abaixo alguns deles:

- Profissionalização da classe produtora. Para isso, é preciso que haja uma capacitação de gestão da propriedade;

- Acesso às novas tecnologias;

- Existência de programas de incentivo para recuperação de pastagens;

- Facilitação a crédito para financiamento. A sugestão, neste caso, é que os créditos sejam abatidos dos serviços ambientais prestados pelos produtores;

- Resolver o problema fundiário com a implementação da Medida Provisória sobre regularização fundiária e a modernização de cartórios;

- Resolução de passivo ambiental da reserva legal da propriedade;

- Falta de apoio às instituições de pesquisa na Amazônia para o desenvolvimento de tecnologias e conhecimento para a intensificação da pecuária sustentável;

- Falta de diferencial de preços para produtos de mais qualidade, com certificação de origem e de sistemas mais intensivos.

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