sexta-feira, 30 de maio de 2008

Valor - Um plano B para a Amazônia

Por Daniela Chiaretti

Foi respondendo aos editoriais da imprensa internacional que o presidente Lula começou a semana, em evento na sede do BNDES: "O mundo precisa entender que a Amazônia brasileira tem dono e que o dono é o povo brasileiro". E seguiu fazendo a defesa dos "quase 25 milhões de habitantes" que moram lá e "querem ter acesso aos bens que nós temos aqui no Rio e em São Paulo". Tudo ótimo e muito legítimo, não fosse por dois pontos fundamentais: precisa definir quem, dentro do governo, lidera a turma quando o assunto é Amazônia e, ainda mais importante, precisa ter um plano.

O PAS não vale. Nem quando foi desenhado, em 2003, o Plano Amazônia Sustentável tinha esta ambição. À época, é verdade, ele embutia sugestões originais, como um comando único sobre todas as fontes de financiamento existentes - do BNDES ao Pronaf, passando pelos fundos setoriais e bancos estatais - para que existisse sinergia e consistência no rumo dos investimentos. Também se imaginaram royalties sobre atividades que utilizassem recursos naturais da região e que incidiriam sobre mineração, geração de energia ou o agronegócio. Mas as sugestões de fontes de recursos para o desenvolvimento regional e sustentável da Amazônia se perderam no caminho e no tempo. O PAS ressurgiu subitamente, no começo de maio, em versão conceitual e esquálida. É inspirador e didático ler suas cem páginas de diretrizes que discorrem sobre as diversas nuances da Amazônia. Mas ação, ali, não tem nenhuma.

Do ponto de vista institucional reina uma certa bagunça nesta fase pós-Marina Silva. A presença da ex-ministra dava a impressão romântica que o governo Lula tinha alguém muito sério, determinado e sempre alerta a defender a biodiversidade e os povos da floresta de qualquer perigo - inclusive os criados por ele mesmo. Bastou ela desistir do posto para que se tenha a sensação de que vários flancos estão a descoberto. Afinal quem hoje, dentro do governo, cuida da Amazônia?

Afinal, quem hoje cuida da região dentro do governo?

Carlos Minc ainda não teve tempo de descansar seus coletes na cadeira e mostrar a que veio. Ontem estava em Bonn, em sua primeira aparição internacional como alguém que entrou no "lugar de Pelé", (para ficar na metáfora do chefe). Surgiu na conferência das Nações Unidas sobre biodiversidade justo a tempo de ganhar do Greenpeace o prêmio Motosserra de Ouro, láurea com que a ONG performática costuma brindar os países que travam as negociações. De lá, rumaria direto a Belém, para a reunião com os governadores da Amazônia Legal, sua primeira prova de fogo doméstica.

Estarão à mesa o governador do Mato Grosso, Blairo Maggi, com quem Minc produziu atrito antes mesmo de assumir, e Ivo Cassol, de Rondônia, outro Estado onde a floresta ameaça tornar-se uma vaga lembrança. O principal ponto da pauta é a discussão do que técnicos do Ministério do Meio Ambiente temem que aconteça, o Planalto acena com a possibilidade e os governadores exigem - a revisão da resolução do Conselho Monetário Nacional que limitará o crédito oficial, a partir de 1º de julho, a produtores rurais que tiverem desmatado além do limite legal, estiverem em situação fundiária irregular e não tiverem procurado consertar toda esta confusão.

Na gestão de Marina Silva, a medida era tida como fundamental para brecar a tendência crescente do desmatamento que está a pleno vapor desde o final do ano passado - e, tudo indica, deve continuar exibindo vigor nos dados de abril que o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais promete divulgar na semana que vem. Ao lado de ações punitivas, a equipe de Marina havia arquitetado medidas que estimulassem quem quisesse corrigir, por assim dizer, desvios de rota amazônica. Na medida provisória que trata da renegociação da dívida rural há a inclusão de dois pontos muito interessantes. Em um deles aparece a figura do penhor florestal - ou seja, o sujeito que quiser crédito para uma atividade madeireira pode dar a floresta como garantia. O outro mira seduzir quem quiser recuperar áreas desmatadas com juros de 4% ao ano, 12 anos de carência e 20 para pagar.

A dúvida, agora, é quem cuidará do quê quando o assunto é Amazônia. Há no Planalto uma zona cinzenta e ambígua nas decisões ambientais. É uma interpretação perversa da transversalidade ambiental tão sonhada por Marina Silva. Que pedaço desta história ficará com o MMA de Minc? O comando do PAS, seja lá o que isso signifique, ficou com o filósofo Mangabeira Unger, e o entendimento que ele dará a isso é uma questão em aberto que pode representar, por exemplo, um canal mais estreito com os governadores amazônicos e o ressurgimento de demandas que o MMA considerava já resolvidas. No âmbito da Integração Nacional, a Sudam, que morreu e renasceu das cinzas, continuará como uma miragem do que poderia ser uma verdadeira agência de fomento regional? E o Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável da rodovia BR-163, tido como uma experiência única do que pode ser um modelo ajustado à região, emperrou ironicamente na pavimentação da estrada e não decola. Por fim, a Casa Civil continuará tendo a última palavra - e a que realmente importa - nas decisões que podem mudar o destino da floresta e das 25 milhões de pessoas que vivem por ali?

Enquanto esta zona de sombras não se dissipa, há algumas certezas sobre o que ocorre na Amazônia até agora. O caminho que se seguiu, de saque e depredação, não está dando bons resultados. O ambientalista Roberto Smeraldi, diretor do Amigos da Terra - Amazônia Brasileira, trabalha há 15 anos com desenvolvimento da região e sabe de cabeça alguns dados perturbadores. A porcentagem da população abaixo da linha da pobreza manteve-se igual entre 1990 e 2005 na Amazônia: 45% da população da região vivendo com menos de US$ 2 ao dia. Em 1990, no Brasil, este índice era de 42% e caiu para 31% em 2005. Em termos absolutos, o número de pessoas vivendo em condições de pobreza na Amazônia cresceu de 7,4 milhões para 10 milhões no período. Que a Amazônia é brasileira, ninguém duvida. Mas precisamos é de um plano B.

Daniela Chiaretti é repórter especial

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