domingo, 18 de maio de 2008

OESP - Jirau reforça geração na Amazônia

Renée Pereira

Leilão da segunda hidrelétrica no Rio Madeira, amanhã, abre definitivamente a região para grandes empreendimentos

O leilão da Hidrelétrica de Jirau (3.300 MW), previsto para amanhã, abre definitivamente a fronteira amazônica para a construção de grandes empreendimentos energéticos na região. Com a conclusão da licitação das duas usinas do Complexo do Rio Madeira (Santo Antônio e Jirau), que somam 6.450 MW de potência instalada, em Rondônia, o governo parte agora para uma série de projetos nas bacias do Amazonas, Tocantins, Araguaia e Teles Pires .

Até 2011, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) planeja leiloar sete grandes hidrelétricas (Belo Monte, Teles Pires, Sinop, Marabá, São Manoel, Serra Quebrada e São Luiz) com capacidade instalada de quase 27 mil MW. Esses projetos, avaliam especialistas, exigirão uma elevada dose de bom senso por parte do novo ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, que substituirá Marina Silva na pasta.

Mas o trabalho de Minc não deve parar por aí. Cerca de 70% do potencial hidrelétrico a ser explorado no País está localizado na Região Norte, área de elevada complexidade ambiental . Na Bacia do Amazonas, por exemplo, apenas 38% da capacidade não tem algum tipo de restrição ambiental. Em Tocantins/Araguaia, só 8%, destaca o Plano Nacional de Energia 2030, elaborado pela EPE.

Apesar da dificuldade, o governo federal já demonstrou que vai comprar a briga pela retomada das grandes hidrelétricas no País. Alguns especialistas acreditam que Minc será um aliado na liberação das licenças ambientais dos megaempreendimentos, mas com responsabilidade. O primeiro grande desafio do ministro será destravar o licenciamento da hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, cuja capacidade instalada é de 11.182 MW.

Os estudos para a construção da usina foram iniciados há 28 anos pela estatal Eletronorte, subsidiária da Eletrobrás. Durante todo esse tempo, muita coisa mudou, inclusive o nome da unidade. O projeto, que previa um complexo hidrelétrico de duas usinas (Kararaô e Babaquara), acabou sendo revisado e dando origem a Belo Monte, com a capacidade atual.

Hoje, os Estudos de Impacto Ambiental (Eia-Rima) da hidrelétrica estão suspensos por um pedido do Ministério Público Federal do Pará. Desta vez, os procuradores reivindicam a anulação do acordo de cooperação feito pela Eletrobrás e Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez e Norberto Odebrecht para realização dos estudos.

O ex-secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo José Goldemberg destaca que é possível licenciar projetos como o de Belo Monte, desde que se tenha muito cuidado. 'Dano ambiental sempre terá. A alternativa é aumentar as compensações ambientais', receita.

Goldemberg acredita que a concessão das hidrelétricas do Madeira (Santo Antônio e Jirau) cria um precedente importante para explorar a Região Amazônica.

EXPERIÊNCIA

O argumento é que o processo de licenciamento e as alternativas encontradas para diminuir o impacto ambiental representam experiência a ser incorporada nas demais usinas. Além disso, cria um padrão de investimento para essas megahidrelétricas, avalia o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Nivalde Castro. 'Ficou claro que a parceria público-privada nesse tipo de projeto, sempre com a presença de uma construtora, deu certo e será usada em outros empreendimentos', diz ele.

Para o presidente da EPE, Maurício Tolmasquim, Jirau e Santo Antônio representam a viabilidade dos projetos na nova fronteira energética. Ele destaca que a maior crítica em relação aos projetos na região sempre era o preço da energia por causa da distância das usinas em relação aos centros de consumo. Mas o leilão de Santo Antônio, ocorrido no ano passado, mostrou o contrário, diz ele. A energia, incluindo a transmissão, saiu por R$ 78,87 o MW hora. Jirau deve repetir a disputa, já que o preço-teto é de R$ 91, avalia o executivo.

Tolmasquim afirma que, além de Belo Monte, outra usina que poderá ser leiloada no ano que vem é Teles Pires, de 1.820 MW, na divisa entre Mato Grosso e Pará. Em 2010, estão previstas Marabá, São Manuel e Sinop e, em 2011, São Luiz e Serra Quebrada (ver quadro). O maior empreendimento é São Luiz, cuja capacidade será de 9.080 MW, no Rio Tapajós.

'Não podemos deixar de aproveitar o diferencial competitivo que a energia hidrelétrica nos dá. Abrir mão dessa eletricidade seria perder para a concorrência', afirma o diretor-presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace), Paulo Mayon, referindo-se ao preço da energia hídrica comparado ao da energia térmica.

Os anos de experiência na construção de grandes hidrelétricas no Brasil conseguiram reduzir o volume de investimento por quilowatt/hora (kW). De acordo com dados do Plano Nacional de Energia 2030 , há alguns anos, calculava-se que, dos 126 mil MW a explorar no País, até 82 mil MW poderiam ser construídos com custo de investimento em torno de US$ 1.800.

Os números foram revisados com base n orçamento de investimento de 36 projetos hidrelétricos de porte variado, todos produzidos após o ano 2000. O resultado mostrou que os custos diminuíram de forma significativa. Segundo o documento, hoje, o País poderia explorar até 90 mil MW com custo de investimento inferior a US$ 1.200 o kW. Isso sem considerar os custos ambientais.


Usina sem reservatório alivia impacto ambiental


Em compensação, para enfrentar queda da produção na seca, País precisará de mais térmicas

O avanço das hidrelétricas na Região Norte vai exigir a expansão da energia térmica no sistema elétrico brasileiro nos próximos anos. Para reduzir os impactos ambientais e tornar os projetos viáveis, a maioria das usinas está sendo construída sem reservatórios para armazenar água. Essa é uma estratégia para reduzir o tamanho da área alagada. São as chamadas hidrelétricas a fio d'água, que geram a capacidade máxima no período de cheia e reduzem até pela metade no período de seca.

O professor da Universidade de São Paulo (USP), José Goldemberg, destaca que o Brasil não eleva sua capacidade de armazenamento desde meados da década de 80. Isso tudo para conseguir a liberação das licenças ambientais. Ele, que já foi secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, diz que algum reservatório teria de ser feito para dar mais tranqüilidade ao setor, já que o investimento é alto.

Segundo dados do setor, a Hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, geraria 50% menos de energia no período seco. Isso representa um risco muito grande para o setor elétrico, que já viveu um racionamento em 2001 por causa da falta de água nos reservatórios. 'Para resolver esse problema, vamos apostar em todas as fontes de energia térmica, como biomassa, carvão, gás e nuclear', garante o presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim. 'Isso é inevitável, pois precisamos das hídricas.'

Nesse contexto, a usina nuclear de Angra 3 passa a ter grande relevância nos planos de geração do País. O projeto, autorizado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), no ano passado, deverá ter a licença prévia entre esta e a próxima semana. Segundo o assessor da presidência da Eletronuclear, Leonam dos Santos Guimarães, o cronograma prevê ainda a licença de instalação dentro de dois meses.

Com isso, as obras de Angra 3 já começariam no segundo semestre deste ano. A entrada em operação, no entanto, só deverá ocorrer por volta de 2014, se não houver nenhum imprevisto. A previsão é que, no pico da construção, a usina empregará cerca de 9 mil pessoas. Para operar a unidade, será necessário 400 pessoas fixas, diz Guimarães. Segundo ele, além de Angra 3, o Plano Nacional de Energia 2030 prevê a incorporação de 4 mil MW de energia nuclear, sendo 2 mil MW no Nordeste e 2 mil MW, no Sudeste.

BIOMASSA

Outra fonte de energia que não pode ser desprezada no País é a biomassa. Calcula-se que apenas o setor sucroalcooleiro poderia gerar o equivalente a um Complexo do Rio Madeira de energia nos próximos ano. Por isso, o governo já preparou o chamado leilão da energia de reserva, marcado para 30 de julho. O objetivo é usar a energia produzida pelas usinas de açúcar e álcool durante o período de seca. Elas serão complementares, diz Tolmasquim.

Um dos principais problemas para aproveitar esse potencial energético é a conexão das usinas do setor com a rede básica. O plano do governo é que os usineiros arquem com o custo da transmissão, que será construída por empresas especializadas. Haverá um leilão apenas de linhas de transmissão para fazer a conexão entre as usinas a rede.

O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Nivalde Castro, acha um erro impor aos usineiros o custo pela transmissão da energia. Para ele, esse fator pode ser um inibidor para os empresários entrarem no leilão. Na avaliação de Castro, o Brasil tem de aproveitar o bom momento econômico, com a obtenção do grau de investimento, para atrair novos empreendedores para o setor elétrico.

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