País com mais de 10 mil quilômetros de costa e uma das maiores e mais diversificadas combinações de ecossistemas costeiros e marítimos do mundo, o Brasil apresentará na próxima reunião de avaliação das metas da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) um relatório pobre, que é quase uma confissão: colocou sob proteção legal apenas 1,5% desses ecossistemas, bem menos do que a meta de 10% que havia fixado, e conhece muito pouco de suas espécies marinhas.
A décima Conferência das Partes (COP 10) signatárias da CDB - documento aprovado na Conferência Rio-92 - será realizada no fim deste mês na cidade japonesa de Nagoya, com a presença de representantes de mais de 190 países. Eles avaliarão quanto se avançou no cumprimento das metas de preservação da fauna e da flora assumidas nas reuniões anteriores e definirão objetivos para os próximos dez anos.
Uma das metas mais relevantes anunciadas pelo Brasil era colocar 30% da Amazônia sob alguma forma de proteção legal. Esta foi alcançada, até com alguma folga, pois mais de 40% da área florestal está protegida, segundo o relatório a ser apresentado em Nagoya pelo governo brasileiro. A área protegida inclui terras indígenas e unidades de conservação estaduais e federais, como mostrou o repórter Herton Escobar, na edição de 3 de outubro do Estado.
Mas uma área de grande importância ambiental e econômica, os 4,2 milhões de quilômetros quadrados de território brasileiro cobertos pelo mar, continuou esquecida. Da pequena fatia de ecossistemas que o País conseguiu colocar sob proteção, a maior parte está em ambientes terrestres ligados ao mar, como restingas, praias e manguezais.
Não há nenhuma área de conservação inteiramente coberta pelo mar. O Ministério do Meio Ambiente reconhece que o bioma marinho constituiu "a grande lacuna" do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc). A biodiversidade marinha brasileira já conhecida é considerada relativamente pobre, quando comparada à de outros países.
Mesmo assim, estima-se que estão no Brasil cerca de 6% das espécies existentes no mundo de invertebrados "não insetos", a maioria dos quais vive no mar.
Pobreza muito maior do que a de espécies marinhas é a de pesquisas e de pesquisadores, diz o biólogo Antonio Marques, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. "Considero isso uma vergonha", confessa. Além de escasso, o conhecimento é muito concentrado geograficamente. As pesquisas se limitam ao litoral de São Paulo, Rio de Janeiro e Santa Catarina. "Sobre o Nordeste, ainda sabemos muito pouco. E, sobre o Norte, quase nada."
É quase total a falta de conhecimento do País sobre sua diversidade marinha - e sem conhecer é impossível proteger.
É difícil, porém, dizer que o desconhecimento seja o pior dos aspectos da ação do governo brasileiro na preservação da biodiversidade marinha. Nos poucos casos de conhecimento relativamente extenso de espécies marinhas, que geralmente são as de maior valor comercial, pouco ou nada se faz para protegê-las. Entre 1995 e 2006, o governo executou o Programa de Avaliação do Potencial dos Recursos Vivos da Zona Econômica Exclusiva, que era mais um balanço do estoque pesqueiro do que uma tentativa de conhecimento da biodiversidade marinha. O programa constatou que cerca de 80% das espécies pescadas comercialmente eram sobre-exploradas ou plenamente exploradas.
Desde a conclusão do estudo, nada foi feito ou anunciado pelo governo para assegurar a recuperação desses estoques. "A gestão pesqueira no Brasil está um caos", diz o pesquisador José Angel Alvarez Perez, da Universidade do Vale do Itajaí, de Santa Catarina. O caos é o resultado prático da ação de um governo que não tem uma política definida para a área.
De um lado, o Ministério do Meio Ambiente busca assegurar a manutenção dos estoques das espécies de maior valor comercial; de outro, o Ministério da Pesca estimula a pesca, sem levar em conta a ameaça à sobrevivência das espécies.
Esse conflito mostra que falta ao governo um rumo na questão da biodiversidade marinha.
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