O Brasil e a União Europeia (UE) mostraram ontem um discurso afinado na luta contra a mudança climática, reiterando os seus compromissos para a redução das emissões de carbono e exortando outros países desenvolvidos e em desenvolvimento a apresentar metas e ações ambiciosas antes da conferência do clima, marcada para dezembro, em Copenhague. Reunidos em Estocolmo, em sua terceira reunião de cúpula, os líderes brasileiros e europeus se disseram preocupados com o ritmo das negociações para o encontro na capital dinamarquesa, além de exibir temor quanto à falta de um comprometimento mais incisivo de outros países em relação ao tema, em especial os EUA. A questão da mudança climática dominou a cúpula, ofuscando os outros assuntos, como a resposta à crise global e as negociações comerciais.
A sintonia entre o Brasil e UE ficou clara no reconhecimento mútuo dos esforços de cada uma das partes para o combate ao aquecimento global. A meta do Brasil de diminuir o desmatamento em 80% até 2020, por exemplo, foi elogiada tanto pelo primeiro-ministro da Suécia, Fredrik Reinfeldt, que ocupa a presidência rotativa da UE, quanto pelo presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso.
Questionado se o país poderia adotar a meta de desmatamento zero até 2015, conforme pedido do grupo ambientalista Greenpeace, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva rechaçou a proposta. "Nem se o Brasil fosse careca poderia assumir o desmatamento zero. Sempre vai haver alguém querendo desmatar alguma coisa", afirmou Lula, para quem a ação do Brasil nessa área é "revolucionária e muito forte", devendo exigir um "esforço incomensurável da sociedade brasileira". Ele lembrou que, em 2009, o país deve ter o menor ritmo de desmatamento dos últimos 20 anos e destacou a composição da matriz energética brasileira. "Ela tem 47% de energia limpa, enquanto o resto do mundo tem 12%. ]
Para Durão Barroso, "o Brasil adotou um plano muito ambicioso em termos de desmatamento". Não poderia ser ainda mais ousado? "Em teoria, pode haver sempre mais ambição. Isso também vale para a Europa. Mas estamos sugerindo que outros países, em especial os com floresta tropical, façam um esforço comparável ao que o Brasil se submeteu." A UE definiu que vai cortar em 20% as emissões de carbono até 2020, podendo chegar a 30% dependendo do compromisso dos outros países desenvolvidos.
Lula defendeu a ideia de que é fundamental chegar a Copenhague "sabendo concretamente quanto cada país emite de gases de efeito estufa". "Nós queremos saber desde o menor país africano, como Guiné Bissau, por exemplo, que não deve emitir nada, até os EUA. Do Brasil até a Suécia, da Argentina até a Alemanha, até a França, para que cada um assuma a responsabilidade pelo mal que está causando ou pelo benefício que vai causar".
Segundo ele, a partir do momento em que se souber quanto emite ou sequestra de carbono um país do tamanho dos EUA ou da China, será possível saber qual a tarefa que terão de cumprir na luta contra a mudança climática. Para Lula, com essa estratégia a discussão sobre o clima deixa de ser simplista, tornando viável cobrar de cada país o cumprimento de seu papel. O balizamento desses números, segundo o presidente, deveria ser feito pela Organização das Nações Unidas (ONU). Reinfeldt e Durão Barroso indicaram que veem a ideia com bons olhos, mas não se comprometeram com ela - a sugestão não foi adotada no comunicado final da cúpula.
Brasileiros e europeus cobraram de outros países uma ação mais incisiva na luta contra a mudança climática. Lula afirmou que "é necessário conversar muito com a China e com a Índia" e ressaltou a importância de o presidente dos EUA, Barack Obama, convencer o Congresso americano a aceitar metas mais ousadas para o clima. Na semana passada, Durão Barroso manifestou preocupação com a posição americana, ainda que considere Obama sinceramente comprometido com a causa. Líder de um país que está na vanguarda da luta ambiental, Reinfeldt disse que "há muita preocupação que não esteja sendo feito o esforço necessário".
Nas minutas em discussão para a preparação da cúpula entre Brasil e UE, havia a menção explícita a uma data limite - 2020 - para que se atingisse o pico das emissões globais e nacionais de carbono, depois do qual elas deveriam cair. Na versão final do comunicado, essa referência desapareceu, com o texto dizendo apenas que esse pico "deve ocorrer o mais rapidamente possível". O documento destaca também que o prazo para os países em desenvolvimento "será mais longo", dada a necessidade dessas nações de registrar maior crescimento, assim como de erradicar a pobreza. O texto fala ainda que será necessário alocar "substanciais recursos financeiros e tecnológicos" para o processo de mitigação e adaptação nos países em desenvolvimento, além de reconhecer "que um pacote financeiro robusto, incluindo vigorosas disposições de financiamento público internacional dos países desenvolvidos, será fundamental". Os líderes concordaram, por fim, em realizar um "encontro de alto nível" sobre o tema antes da cúpula do clima, marcada para dezembro.
Ativistas do Greenpeace fizeram uma manifestação em frente ao Palácio Rosenbad, onde começaram as reuniões entre Brasil e UE, portando um cartaz que dizia: "Lula, você levou as Olimpíadas, agora salve o clima". O presidente disse que irá a Copenhague, desde que outros presidentes e primeiros-ministros também compareçam. Aproveitou para fazer o elogio do biocombustível brasileiro. "Eu, se pudesse, levaria um carro a etanol lá para Copenhague para medir a emissão de gases do carro a etanol e do carro a gasolina para ver quem é que tem mais responsabilidade por isso."
A cúpula discutiu também uma parceria triangular entre Brasil, UE e África na área de biocombustíveis, para a produção de etanol nos países africanos. O acordo final não foi anunciado porque ainda é necessário acertar detalhes com a União Africana.
Nenhum comentário:
Postar um comentário