terça-feira, 20 de outubro de 2009

Envolverde - Florestas na mira

Marcela Valente, da IPS

Que papel podem ter as florestas na luta contra a mudança climática? Que impacto têm as árvores plantadas? Quais consequências terá a bioenergia para montanhas e selvas? São perguntas que especialistas, funcionários e empresários de todo o mundo reunidos na Argentina tentarão responder. Com mais de quatro mil participantes procedentes dos cinco continentes, foi aberto ontem em Buenos Aires o XII Congresso Florestal Mundial, organizado pelo governo argentino com apoio da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO).

O encontro internacional que acontece desde 1926, em geral a cada seis anos, coincide nesta oportunidade com um duplo desafio: o interesse no progresso de projetos florestais que permitam gerar novos empregos e oferecer uma resposta ao crescente aquecimento global. O congresso, que terminará na próxima sexta-feira, se atribui a função de “diagnosticar a situação geral das florestas e do setor florestal para distinguir as capacidades, adaptar as políticas e estimular a conscientização entre os grupos envolvidos e interessados na área florestal”.

“Não queremos que isto seja mais uma feira florestal, mas desejamos abrir um novo ciclo de experiências para os países em desenvolvimento, para fazer negócios e ter acesso a novos investimentos”, disse à IPS o secretário-geral do congresso, o biólogo argentino Leopoldo Montes, sobre o principal viés da reunião. Segundo o programa, haverá sessões plenárias para debater sobre florestas e biodiversidade, produção para o desenvolvimento florestal, conservação e comunidades, entre outros. Também haverá uma rodada de negociações, um fórum de investimentos e financiamento, outro de florestas e energia e um de florestas e mudança climática. Diante do crescente interesse pela bioenergia, os participantes analisarão o uso da madeira para produzir calor e combustíveis líquidos por meio de modernas técnicas desenvolvidas em nações industriais.

Sobre mudança climática, os organizadores do congresso afirmam que as atividades de reflorestamento podem ajudar a mitigar o aquecimento global, com o pressuposto de que, para realizar afotossíntese , os vegetais necessitam de dióxido de carbono. Este é o principal gás causador do efeito estufa, e esperam apresentar recomendações à XV Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre Mudança Climática que se reunirá em dezembro na cidade de Copenhague. Sobre este ponto há posições muito diferentes, inclusive contrárias. Nem todos os especialistas concordam sobre o impacto de reflorestamento no combate à mudança climática, sobretudo nos casos de monoculturas de rápido crescimento com espécies voltadas ao uso da madeira e da celulose.

Em conversa com a IPS, o secretário-geral adjunto do congresso, Olman Serrano, destacou que este “oferece uma oportunidade única de intercâmbio de experiências entre especialistas e uma base técnico-acadêmica” para governos, empresas e o restante da sociedade civil. Serrano, funcionário do Departamento Florestal da FAO, disse que o congresso produzirá um documento de conclusões gerais e outros – sob o título “Recomendações para Copenhague” – que conterá propostas sobre políticas que deveriam ser adotadas a partir de 2012, quando termina o primeiro período de compromissos do Protocolo de Kyoto.

Para Serrano, “as florestas deveriam ter um múltiplo papel no combate à mudança climática” não apenas como captores de carbono. Para a FAO, a questão “ficou um pouco desprezada” nas discussões e nos acordos que desembocaram na assinatura do Protocolo de Kyoto em 1997, quando as florestas “ficaram fora da discussão”. Nos “últimos 10 anos, muito se lutou para que as florestas fossem consideradas não apenas captores de carbono, mas também parte dos planos de mitigação e adaptação à mudança climática”, ressaltou o funcionário.

Neste aspecto, o embaixador argentino, Raúl Estrada Oyuela, que presidiu o comitê que elaborou o Protocolo de Kyoto, recordou à IPS que o artigo três desse documento “prevê o reflorestamento como uma via para reduzir emissões de gases de efeito estufa, ao apresentar o inventário”. O diplomata se referia ao informe que deve ser apresentado periodicamente pelos países que integram a convenção marco (da qual o protocolo é um instrumento subsidiário) sobre as fontes nacionais de gases de efeito estufa, que provêm, em diferente proporção, da indústria, do transporte, do desmatamento e da atividade agropecuária.

Oyuela destacou que, do mesmo modo, o reflorestamento “pode ser matéria do mecanismo de desenvolvimento limpo (MDL)”, um dos instrumentos de flexibilidade do protocolo para ajudar os países industriais a cumprirem suas obrigações financiando projetos sustentáveis em outras nações por meio da compra de bônus de carbono. De todo modo, “o manejo de florestas nativas não foi incorporado oficialmente – no MDL – devido às enormes dificuldades metodológicas que supunha estimar a captura de carbono que deveria ser atribuída à ação do homem que maneja essas florestas”, explicou Oyuela.

Nesse aspecto, o engenheiro agrônomo Héctor Ginzo, especialista em fisiologia vegetal, membro do Instituto do Clima da Academia Argentina de Ciências do Meio Ambiente, que assessorou Oyuela nas negociações de Kyoto, explicou à IPS porque as florestas não entraram nos mecanismos de mercado do protocolo. Ginzo lembrou que só em 2005, e depois de dois deliberações, os países da Convenção aceitaram que o reflorestamento fosse parte do MDL, mas o procedimento criado foi “tão complexo que ate agora foram aprovados apenas oito projetos” em todo o mundo. “O procedimento não convenceu ninguém, é muito caro e só pode ser aprovado em projetos de pequena escala apresentados por organizações não-governamentais ou pelos Estados”, disse Ginzo. “Por outro lado, as empresas destinatárias do esquema não se interessaram em participar”, acrescentou.

Por outro lado, Ginzo disse que o MDL “nunca permitirá” contemplar como projeto sustentável de reflorestamento uma plantação de eucaliptos ou de outras espécies de crescimento rápido para produzir pasta de celulose ou madeira, porque favorecem a monocultura e porque ao cortá-la se perde o carbono capturado. O que o mecanismo pretende – destacou o agrônomo – é incentivar o cultivo de espécies de crescimento lento, como o quebracho (uma árvore de madeira dura), que exige turnos de 70 e 80 anos, mas isso só pode atrair iniciativas financiadas pelo Estado, ressaltou.

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