Artigo
Por Washington Novaes
Que significará exatamente a afirmação do presidente da República (Estado, 24/9) de que o Brasil está disposto a discutir metas e compromissos de reduzir suas emissões de poluentes que contribuem para mudanças climáticas? Significará assumir compromissos obrigatórios no âmbito da Convenção do Clima, em Copenhague, em dezembro - compromissos que até agora tem recusado? E, se aceitar, como ficará sua posição perante os demais países emergentes, que até aqui se recusam a assumir esses compromissos, por entenderem que eles devem caber aos países industrializados, que emitem há muito mais tempo e, até há pouco, em maior volume?
Terão o mesmo sentido afirmações do ministro do Meio Ambiente de que o Brasil quer assumir compromissos "externos e obrigatórios" de reduzir o desmatamento na Amazônia em 80% até 2020? Segundo o ministro Carlos Minc (Estado, 25/8), o Brasil assumirá metas de redução, mas cobrará recursos, parcerias e tecnologias dos países industrializados, uma vez que nosso país já aceitou a meta de lutar para que o aumento da temperatura do planeta não passe de dois graus. Hoje, diz ele, embora o desmatamento tenha caído, a participação da indústria e da geração de energia no total das emissões nacionais subiu de 18% para 30% do total.
Na questão do desmatamento, a intenção brasileira há tempos anunciada é de reduzi-lo em 40% no período 2006-2009, tomando por base a média do período 1996-2005. Na verdade, meta já atingida, uma vez que o desmatamento médio no período-base foi de 19,5 mil km2 por ano, enquanto em 2006 foram 14,1 mil, em 2007 chegaram a 11,5 mil e em 2008, a 12,7 mil km2 - e a meta seria de 13,6 mil km2. Para chegar à redução de 70% em 2017 - outra intenção anunciada - o desmatamento terá de baixar para 5.700 km2 anuais. E para reduzir em 80% até 2020 precisará cair para 3.800 km2/ano.
Tudo isso, neste momento, parece estar no limbo, diante das dificuldades encontradas em Bangcoc nas discussões entre países industrializados, emergentes e demais nações, encerradas há duas semanas. Um impasse, na verdade, pois não se avançou em compromissos de redução de emissões, nem na transferência de recursos e tecnologias dos países desenvolvidos para os demais e que os ajudem a enfrentar os "desastres naturais" decorrentes do clima. Os países emergentes chegaram a acusar os industrializados de "sepultar" o Protocolo de Kyoto, que estabelece obrigação de esses países industrializados reduzirem, em conjunto, suas emissões em 5,2% sobre os níveis de 1990, no período 2008-2012. Só a Noruega se dispôs a reduzir suas emissões em 40% (sobre 1990) até 2020. E o diagnóstico dos cientistas é de que todos os industrializados precisariam fazer esse corte e chegar a 2050 com redução de 80%.
O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, chegou a dizer que "só temos um par de sapatos (Kyoto), a lógica é ficar com ele", enquanto o Massachusetts Institute of Technology (MIT) divulgava estudo afirmando que o aumento da temperatura poderá até o fim do século subir até sete graus, bem mais do que o previsto pelo próprio Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC). "A criação está ameaçada", afirmou o papa Bento XVI. O economista sir Nicholas Stern, consultor do governo britânico, autor de estudo sobre o clima e a economia, diz que é preciso, no mínimo, reduzir as emissões globais dos atuais 50 bilhões de toneladas anuais para 35 bilhões em 2030 e 20 bilhões em 2050. Para isso Estados Unidos, Japão e Europa precisariam baixar suas emissões em 80%, tomando por base as de 1990. E os demais países também precisariam reduzir, já que eles estão superando os industrializados em emissões. A Índia, que hoje emite 4 bilhões de toneladas anuais, passará a 7 bilhões em 2031, na tendência atual (emite hoje 1,27 tonelada/ano por pessoa, ante a média global de 4,82). A China poderá duplicar suas emissões até 2050.
Ainda haverá mais uma reunião preliminar da Convenção do Clima, em Barcelona, no começo de novembro. É possível que até lá se avance. Mas está difícil. Enquanto isso, o Brasil deveria prestar atenção a uma discussão que ocorre no âmbito do IPCC e que pode ter consequências importantes para o País.
Até aqui os estudos sobre emissões afirmam que o metano tem uma equivalência em relação ao dióxido de carbono de 23 vezes - isto é, uma tonelada de metano emitida para a atmosfera equivale a 23 toneladas de carbono, quando se mede a contribuição para o aumento do calor e as mudanças no clima. Para o Brasil é um complicador, já que, com o maior rebanho bovino do mundo, tem aí contribuição forte para as mudanças climáticas - cada boi emite 58 quilos de metano por ano em seus arrotos, no processo de ruminação de alimentos (medição da Embrapa Meio Ambiente). Com cerca de 170 milhões de bovinos, essas emissões podem chegar a quase 10 milhões de toneladas anuais, que equivaleriam a mais de 200 milhões de toneladas de carbono. No inventário brasileiro de emissões referentes a 1994 (o único até agora), elas foram quantificadas em 9,37 milhões. Somadas às emissões de metano por mudanças no uso da terra e de florestas e às decorrentes do tratamento de resíduos, chegaram a 12,29 milhões de toneladas. Que devem ser multiplicadas por 23.
A nova discussão num painel no IPCC - da qual participa o físico brasileiro Luiz Gylvan Meira Filho, que coordenou a área do clima no governo federal até 2002 - parte do princípio de que o método até aqui utilizado para aferir a equivalência do metano, o GWP (ou Global Warming Potential), deve ser substituído pelo GTP (Global Temperature Increase Potential), porque o aquecimento causado pelo metano é dissipado por radiação. E muda a equivalência, de 23 para 4 ou 5. No âmbito da química, os números não se alteraram - pelo menos até aqui.
Os pecuaristas, principalmente, têm muito interesse no tema. Precisam discuti-lo.
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