Sérgio Abranches
O sistema DETER de alerta prévio de desmatamento do Instituto de Pesquisas Espaciais detectou aumento do desmatamento na Amazônia, inclusive em estados tradicionalmente de menor pressão sobre a floresta como o Amazonas.
O desmatamento aumentou nos últimos dois meses do ano passado. Não importa muito quanto, os dados não são precisos o suficiente para se tirar grandes conclusões. Mas é um sinal preocupante.
Preocupa porque são meses com muita nuvem, o que impede os satélites de terem visão de toda a área. Além disso, o DETER é um sistema de alerta rápido, cobre módulos relativamente grandes. Não permite visualizar desmatamento em módulos pequenos, onde está acontecendo a maior parte do desmate. O padrão de desmatamento mudou, da abertura de grandes áreas, para a abertura progressiva em pequenos lotes.
Também preocupa porque representa uma indicação de que a tendência pode estar mudando e teremos um novo ciclo de desmatamento. Em conversas com ambientalistas que acompanham a região, eles já haviam manifestado preocupação com o relaxamento em vários setores: o pacto da carne não está sendo cumprido por boa parte dos frigoríficos; a proibição do Conselho Monetário Nacional de financiamento a propriedades que não comprovem situação de regularidade ambiental não tem sido obedecida.
Além disso, há a pressão das obras do governo. Estradas são grandes atratoras de ocupação e provocam o desmatamento chamado espinha de peixe, trilhas que são abertas perpendiculares ao leito da estrada e vão gerando assentamentos em clareiras cada vez maiores.
As hidrelétricas também atraem gente. Só a licença prévia para Belo Monte, já levou para a região no mínimo 8 mil pessoas, como indicou o Ministério Público na ação com a qual está tentando caçar a licença prévia parcial dada pelo Ibama para instalação do canteiro de obras. Essa licença suscita numerosas dúvidas e inquietações. Ela permite o desmatamento de duas áreas uma, chamada de Belo Monte, que já havia sido desmatada anteriormente. Outra, chamada de Pimental, que é de floresta em pé. O Ibama não fornece os dados técnicos dessa área que permitiriam a técnicos independentes avaliar a extensão dos danos. Só se a Justiça determinar que o Ibama dê transparência aos dados, ficaremos sabendo.
Tudo está sendo feito em Belo Monte de forma pouco transparente, a sociedade brasileira não está sendo informada sobre o que realmente se faz. A começar por essa licença parcial de instalação que não existe na legislação ambiental brasileira e é um artifício para driblar o cumprimento das exigências feitas na concessão da licença prévia. São 40 exigências não cumpridas e que são prerrequisito, condição necessária, para a concessão da licença de instalação.
O que aconteceu com o empréstimo do BNDES ilustra bem o padrão de comportamento que cerca o projeto. Se o Ministério Público não tivesse pedido informações ao Banco sobre as condições contratuais da liberação de empréstimo ponte de R$ 1.087.812.308,00, e a colunista Míriam Leitão não tivesse divulgado a resposta, a sociedade brasileira não ficaria sabendo que o dinheiro não podia ser usado para desmatar. Ou, como diz o documento do BNDES: “Esse empréstimo-ponte , aprovado em 21 /12/2010, não provê financiamento de qualquer intervenção no local em que está prevista a construção da usina. Trata-se de adiantamento de recursos a título de pagamento inicial para os fornecedores iniciarem a fabricação de seus respectivos produtos e aquisição de materiais e serviços.” Após o MP registrar na Justiça os termos desse contrato, o consórcio desistiu do dinheiro. Atitude mais eloquente não pode haver.
A única garantia da sociedade de que poderá haver algum controle social do que está sendo feito em Belo Monte é a Justiça. O Ibama não dará transparência ao processo, nem os demais agentes públicos e privados envolvidos. E é uma obra que é paga com o nosso dinheiro, que afeta a todos nós e à própria democracia. Não é possível tamanha apropriação para benefício de grupos privados de recursos do contribuinte, sem que seja rigorosamente pública e verificável. Aliás, a atitude do Ibama de sonegar informações sobre o impacto da obra e as decisões relativas ao licenciamento fere a Constituição.
As rodovias e hidrelétricas na Amazônia serão o principal fator de pressão por desmatamento nos próximos anos. Atraem mais gente para a Amazônia, cuja economia, mesmo com essas obras, não será capaz de absorver produtivamente. O resultado será a proliferação de assentamentos pobres que encontram no desmatamento e na venda de madeira ilegal a única fonte de renda. Essa infra-estrutura não está pensada para viabilizar um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia, mas para replicar na região o modelo do Sudeste. Um modelo que se esgotou no final dos anos 80. É velho, não acompanha as tendências para o século XXI e, para ser replicado, precisaria que fizéssemos com a Amazônia, o que fizemos com a Mata Atlântica. Mesmo o modelo do centro-oeste não é bom. Está acabando com o Cerrado, que é o segundo manancial do país, depois da Amazônia. O que estamos precisando é de uma discussão séria sobre um novo padrão energético e um novo modelo de desenvolvimento baseado na inovação e na sustentabilidade.
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